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sábado, 20 de dezembro de 2008

HÁ 80 ANOS NASCIA O ENSINO DE DANÇA DE SALÃO NO BRASIL.

A história de Madame Poças Leitão
Foi em janeiro de 1915 que surgiu em São Paulo a primeira escola de danças de salão do Brasil, criada pela suiça Louise Frida Reynold Poças Leitão, que logo ficou conhecida como Madame Poças Leitão, ou apenas Madame. A academia existe até hoje, num processo sucessório curiosamente só com noras, e conserva o nome original : Escola de Danças e Boas Maneiras Madame Poças Leitão.
COMO O BRASIL GANHOU SUA PRIMEIRA ESCOLA DE DANÇAS
Louise chocou as freiras do tradicionalíssimo colégio paulistano Des Oiseaux no dia em que passou a ensinar às meninas uma dança ousada, provocativa e sensual, típica de cabaré, chamada Tango. Imaginem uma moça de família, em 1915, dançando tango. E justo dentro de um colégio de freiras. Um escândalo sem precedentes, numa São Paulo que talvez não tivesse mais que uns 350 mil habitantes e abrigando uma oligarquia rural conservadora e formal. Foi uma luta convencer as freiras de que se tratava de uma dança honesta, bonita e necessária, sem pacto com o demônio. Mas Louise acabou conseguindo.
Este foi um dos episódios marcantes e inusitados da vida de Louise Frida Reynold Poças Leitão, a Madame Poças Leitão, ou simplesmente Madame, a mulher que criou a primeira escola de danças do Brasil - em 1915, em São Paulo - com o nome mantido até hoje, agora nas mãos da terceira geração : Escola de Danças e Boas Maneiras Madame Poças Leitão.
Suíça, vivendo em Lousanne, Louise lecionava dança na academia de ginástica de seu pai, que a ensinara a dançar desde os quatro anos. Seu marido, português, perdeu a fortuna com o declínio da borracha e resolveram que tinham que recomeçar tudo em outro lugar. Foi quando descobriram que São Paulo era uma cidade próspera e emergente, com seus barões do café, e onde não havia ninguém exercendo uma atividade como a de Louise. Os jovens abastados e fascinados pela dança tinham que ir à Europa para aprender os segredos da valsa. Era, portanto, um mercado virgem e promissor. Arrumaram as malas e emigraram. Ela tinha 27 anos e um filho, Luiz, com apenas três.
Mal articulando uma frase ou outra em português, Louise desembarcou aqui em 1914 e no ano seguinte já começava o seu curso. Refinada, e tendo como língua nativa o francês, idioma obrigatório nas rodas sociais e culturais de então, não teve qualquer dificuldade em tornar-se professora de danças do colégio Des Oiseaux. Em seguida passou a dar aulas, a domicilio, para moças de famílias tradicionais. Nascia também, simultaneamente, a primeira academia brasileira, na acepção do termo, no sótão habitável de sua casa de arquitetura portuguesa, na rua 7 de Abril. Os dois primeiros alunos foram os irmãos Paulo e Stela Altino Arantes, filhos do presidente do Estado, como era chamado na época o governador. E a primeira aula acorreu exatamente no dia 11 de janeiro de 1915.
Música ao vivo
O sucesso de Madame não parou mais. Lá por 1925, ou 27, já dava aulas também no Centro Republicano Português e no Palácio Teçayndaba, junto ao Correio Central, bem como no Clube Português e no colégio Stafford. Madame, assim tratada por causa da língua francesa, só trabalhava com a elite da cidade e ministrava as aulas em seu idioma. Seu português foi sempre carregado de forte sotaque, cheio de "erres".
Além do charme e refinamento de ter aulas de dança em francês, os alunos desfrutavam de um outro requinte bem compatível com a época e com a carência de recursos eletrônicos : as aulas eram animadas com música ao vivo, ao som de piano.
Domingueiras
Em 1930, Madame teve uma grande sacada: ao perceber que as pessoas de famílias tradicionais praticamente só dançavam em suas casa, com os próprios parentes, resolveu juntá-las em encontros semanais. Com isso abriria um vasto leque de sociabilidade entre elas. Foi assim que surgiram as "domingueiras", no belíssimo Palácio Trianon, na Avenida Paulista, exatamente onde hoje fica o MASP.
O sucesso dos seus bailes orquestrados foi tão grande que Madame, sem maiores dificuldades, conseguiu impor a substituição dos ladrilhos do salão por madeira, até hoje ainda o melhor piso para os bailarinos.
Ela só deixou o Trianon em 1954, instalando-se na Associação das Famílias Cristãs, na Alameda Campinas, onde ficou até 1962.
Sucessão de Noras
A Segunda Madame Poças Leitão começou a surgir em 1954. Na falta de uma filha mulher para assumir o comando da escola, pois Louise só tinha dois filhos homens, Luiz e Paulo, ela resolveu chamar as duas noras, Nice (do Luiz) e Flordalisa (do Paulo). As três passaram a dividir as aulas de dança e de etiqueta social, numa deliberada preparação do processo sucessório. O detalhe curioso é que Nice ensinava só os rapazes, enquanto Flor, como a chamavam aos amigos, ensinava só as moças.
Nesta época, a pioneira Madame era uma pessoa famosa em todo o País. Chegou a ser tema de reportagem da antiga revista O Cruzeiro, que nos anos 50 gerava uma repercussão hoje só comparável com a Rede Globo. A foto de capa desta edição de Dance foi produzida pela revista, enquanto Madame dançava o Charleston, ao som de sua rádio-eletrola, equipamento que dava status em qualquer sala de visitas.
Mais tarde Flor decidiu afastar-se e Nice continuou tocando sozinha a escola, adotando o nome da sogra - Madame Poças Leitão - num misto de homenagem e, intencional ou não, inteligência de marketing. Atualmente a segunda Madame tem 80 anos e o bastão, mantendo a tradição, está nas mãos de outra nora, Silvia, casada com o engenheiro Eduardo, um dos quatros filhos de Nice (todos homens), e que cuida da parte administrativa.
A escola, diferente das demais do ramo, mantém algumas características que constituíam pontos de honra da primeira e da Segunda Madame: na lista dos proibidos, em aula, estão os chicletes, tênis, sapatos sem meias, recusar convite à dança. O lenço é item obrigatório para os homens, para enxugar o suor, inclusive da dama. Até 1970 os alunos eram obrigados ao uso do terno e gravata e as alunas ao vestido ou saia, com meia de seda e saltinho. Madame só cedeu quando a própria Faculdade de Direito do Largo São Francisco aboliu a gravata. Não dava para resistir sozinha.
As formalidades são exigidas a partir do primeiro dia de aula : tirar a dama com uma leve inflexão do tronco e mantendo os pés juntos; beijar as mãos das senhoras, jamais das senhoritas; conduzir a dama de volta à mesa e vai por aí. Choca, no primeiro contato, a tradição da vistoria de unhas deles e delas, com patrulhamento ostensivo dos roedores. Mas logo o pessoal acostuma e leva isso tudo na brincadeira.
Como técnica de ensino, mas também por ironia, em meio a tanta ordem e disciplina, a primeira música que se dança é uma marcha militar.
Mas que ninguém se assuste. O pessoal curte e se diverte. E, principalmente, aprende. Que o digam nomes como Stella Aguiar, Macello Palladino, Chico e Carla, Roberto Mendoza, entre outros muito conhecidos no meio dançante, que passaram pelo famoso chicotinho de Madame Poças Leitão. Ele é marca registrada, praticamente um símbolo da escola, mas não significa intimidação e repressão, mas simplesmente uma maneira que Madame encontrou de sinalizar erros, com um toque sutil e delicado, sem ter que cometer a "descortesia" de tocar diretamente com as mãos nas pessoas. O chicote ficou famoso, virou folclore, e Madame nunca se preocupou em aposentá-lo ou desmistificá-lo. Até porque, convenhamos, perderia toda a graça.
O Adeus
A primeira Madame parou de dar aulas por volta de 1966. Nice e Flor continuaram o curso, que então já passara pela rua Joaquim Floriano, no Itaim Bibi, e pela Colmeia, na Groelândia.
Em 16 de julho de 1974, aos 90 anos de idade, a grande dama morreu. Pouco antes, ao completar 87, ainda dançou uma valsa com o filho Luiz. Dançou lento, porque lhe faltava o fôlego de outrora, mas não a emoção e a elegância, do seu espírito altamente profissional, ousado e empreendedor, que trouxe alegria e ensinou a arte do charme e da redescoberta da vida a um incontável número de brasileiros.
E ficava, principalmente, a semente que gerou todas as academias que hoje aí estão, inundando de felicidade o coração das pessoas.
Ano II - nº. 4 - janeiro/fevereiro - 1995
Editor: Milton Saldanha

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